Entre 1776 e 1875 observa-se no Império Português uma deslocação do seu eixo principal de
intervenção dos territórios brasileiros para África, procurando consolidar a ocupação territorial
e resolver o difícil problema da escravatura. Para a maior parte da historiografia, terminado o
ciclo brasileiro, o império caiu numa relativa letargia apesar dos sucessivos projectos de reforma.
Contudo, é durante este mesmo período que assistimos a um crescente interesse por parte das
autoridades em contar e controlar as populações. Esse esforço não ficou pelas boas
intenções e produziu várias centenas de mapas estatísticos cobrindo de forma irregular os diferentes
territórios. As estatísticas da população foram um instrumento decisivo na construção dos Estados e
das formas de colonialismo moderno. O conhecimento e a quantificação reforçaram o controlo sobre os
territórios e as populações e permitiram exercer novas políticas. O longo processo de criação de um
quadro normativo e de um aparelho burocrático capaz de produzir, recolher e interpretar os números
permitiu uma primeira quantificação e classificação das populações ultramarinas. A estatística,
suas categorias e circuitos de produção revelam a intensidade com que o Estado penetrou nos seus
territórios e foi construindo uma nova ordem. O conhecimento acumulado permitiu, por um lado,
construir modelos de ocupação e classificação do território, por outro moldou a forma como esses
territórios eram entendidos e como as populações se imaginavam a si próprias. No caso português, a existência de um significativo corpus de estatísticas
da população disponível para o império ultramarino, desde meados do século XVIII, tem sido,
geralmente, negligenciado por historiadores e demógrafos. Este projecto representa a primeira
tentativa para recolher, processar e analisar os "mapas estatísticos" decretados por ordem régia
e gerar indicadores e séries demográficas relativamente fiáveis para cada um dos territórios do
Império.
Para atingir esta meta estudaremos as tendências da demografia em cada um
dos territórios: Brasil (1776-1822), Açores e Madeira (1776-1834), Cabo Verde, Guiné-Bissau,
São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Índia Portuguesa, Macau (1776-1910) e Timor (1850-1875).
Consoante a informação disponível serão quantificados: i) taxas de crescimento anual, a divisão
territorial e os níveis de urbanização; ii) as estruturas populacionais (composição
sócioprofissional, religiosa e étnica, população activa e estrutura etária); iii) os
comportamentos demográficos (natalidade, mortalidade e saldos migratórios).
Para além da componente de análise estritamente demográfica, o projecto
compreende também o estudo das razões que levaram a Coroa e o Estado Liberal a elaborar este
vasto conjunto de mapas. Poderemos, assim, fornecer novos dados para análise de várias políticas
relativas ao Império: ocupação do território, gestão das populações, exercício da fiscalidade,
recrutamento militar e aproveitamento da mão-de-obra.